Crônica de Manoel Ramires Ele chegou ao hall do Castelo do Batel. Muito embora não tenha convite eletrônico ou timbrado. Foi durante a Domino, Valse Française de André Claveau. Ou em algum momento de Dors, Mon Amour. Alguns dançantes, distraídos com a melodia, não o perceberam. Outros espectadores logo o notaram e torceram o nariz. Poucos haviam alertado da possível petulância dele vir fora de época. Já certa parcela dos convidados utilizava como estratégia ignorá-lo. Ser frio com ele também. Aquela coisa de se escandalizar para dentro. Só que desta vez bem encolhidinhos. Alguém pergunta se não foi possível cerrar-lhe a porta, espantar, ameaçar com arma de fogo. Quem sabe uma lareira ou moderno climatizador de ambientes.
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Conjecturas estúpidas. Seu espectro já defenestra para dentro. Pelas portas do fundo, pelo assoalho, pelo teto, pela nesga da janela e até pelo buraco da fechadura da entrada principal. Sempre sem nenhuma faina. Um desavisado invoca urgência do maître e da hostess, da segurança e da guarda-de-rua para expulsá-lo. Mas Outono, que oferece o baile, lamenta. Informa que todos esses empregados encontram-se de braço cruzados e a esfregarem as mãos. Como se fosse uma greve por prestar serviço não combinado. “A terrível insurgência da ralé”, identifica os culpados a madame que trouxe previamente sua casimira e que acompanha o penetra escorregar pelas mesas, intimidar os homens e assanhar as damas sob seus coques. Há desconforto geral. Buxixo também. Todos abandonam elegantemente o salão principal do Castelo. Um a um, aos pares e até em ménage. Ademais do infortúnio, já se inspiram com o novo clima em uma total renúncia aos bons modos. Pensam em novas prendas e aromas. Combinam sopas eslavas com vinhos cabernet sauvignon e fondue com capuccino. Acertam presentes. Os homens pensam em jaquetas de couro nelas; as mulheres imaginam gorros, luvas e echarpes para eles. La salle est vide. A música não tem mais nota. E triunfante o penetra ressoa: “Tu invadistes as orgias do Verão, agora eu tomar-te-ei as inconstâncias dos balés”. E partiu em busca de outros salões, salas e saletas enquanto atrás de suas espaldas Outono despencava.
Manoel Ramires
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