quinta-feira, 8 de abril de 2010

O penetra

Crônica de Manoel Ramires

Ele chegou ao hall do Castelo do Batel. Muito embora não tenha convite eletrônico ou timbrado. Foi durante a Domino, Valse Française de André Claveau. Ou em algum momento de Dors, Mon Amour. Alguns dançantes, distraídos com a melodia, não o perceberam. Outros espectadores logo o notaram e torceram o nariz. Poucos haviam alertado da possível petulância dele vir fora de época. Já certa parcela dos convidados utilizava como estratégia ignorá-lo. Ser frio com ele também. Aquela coisa de se escandalizar para dentro. Só que desta vez bem encolhidinhos. Alguém pergunta se não foi possível cerrar-lhe a porta, espantar, ameaçar com arma de fogo. Quem sabe uma lareira ou moderno climatizador de ambientes. Conjecturas estúpidas. Seu espectro já defenestra para dentro. Pelas portas do fundo, pelo assoalho, pelo teto, pela nesga da janela e até pelo buraco da fechadura da entrada principal. Sempre sem nenhuma faina. Um desavisado invoca urgência do maître e da hostess, da segurança e da guarda-de-rua para expulsá-lo. Mas Outono, que oferece o baile, lamenta. Informa que todos esses empregados encontram-se de braço cruzados e a esfregarem as mãos. Como se fosse uma greve por prestar serviço não combinado. “A terrível insurgência da ralé”, identifica os culpados a madame que trouxe previamente sua casimira e que acompanha o penetra escorregar pelas mesas, intimidar os homens e assanhar as damas sob seus coques. Há desconforto geral. Buxixo também. Todos abandonam elegantemente o salão principal do Castelo. Um a um, aos pares e até em ménage. Ademais do infortúnio, já se inspiram com o novo clima em uma total renúncia aos bons modos. Pensam em novas prendas e aromas. Combinam sopas eslavas com vinhos cabernet sauvignon e fondue com capuccino. Acertam presentes. Os homens pensam em jaquetas de couro nelas; as mulheres imaginam gorros, luvas e echarpes para eles. La salle est vide. A música não tem mais nota. E triunfante o penetra ressoa: “Tu invadistes as orgias do Verão, agora eu tomar-te-ei as inconstâncias dos balés”. E partiu em busca de outros salões, salas e saletas enquanto atrás de suas espaldas Outono despencava.

Manoel Ramires

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