sábado, 24 de outubro de 2009

O Caderno Vermelho - Não significa Nada Parte 3

Não significa Nada
Parte 3


Como já cheguei até aqui, não consigo resistir à tentação de adicionar mais um elo a esta cadeia de anedotas. Quando eu estava escrevendo as palavras finais do primeiro parágrafo da última história (“vivendo em seu pequeno planeta com um Pequeno Príncipe dos tempos modernos”), lembrei-me do fato de que O Pequeno Príncipe foi escrito em Nova York. Pouca gente sabe disso, mas depois que Saint-Exupéry saiu da aeronáutica, após a derrota da França em 1940, ele veio para os Estados Unidos e morou por um tempo no número 240 da Central Park south, em Manhattan. Foi lá que escreveu seu livro célebre, o mais francês de todos os livros infantis franceses. Le Petit Prince é leitura obrigatória para quase todo aluno de francês no ensino nos Estados Unidos e, como foi o caso de tantos outros antes de mim, foi o primeiro livro que li num idioma que não o inglês. Daí, passei a ler outros livros em francês. Mais adiante, traduzi livros franceses como um meio de ganhar a vida, quando jovem, e a certa altura morei na França durante quatro anos.

Foi então que conheci F. e me familiarizei com a sua obra. Pode parecer uma afirmação bizarra, mas creio que é seguro dizer que, se não tivesse lido O Pequeno Príncipe quando adolescente, em 1963, eu jamais teria recebido um livro de F. pelo correio, trinta e sete anos depois. Isso também significa que eu nunca teria descoberto o misterioso pedacinho de papel com as palavras It don’t mean a thing IF it ain’t got that swing.

O número 240 da Central Park South é um prédio esquisito, mal projetado, situado na esquina que dá para o Columbus Circle. A construção foi concluída em 1941 e os primeiros moradores se mudaram pouco antes do ataque a Pearl Harbor e da entrada dos Estados Unidos na guerra. Não sei a data exata em que Saint-Exupéry se mudou para lá, mas ele deve ter sido um dos primeiros habitantes. Por uma dessas anomalias curiosas que não significam absolutamente nada, a minha mãe também foi um daqueles moradores. Ela se mudou do Brooklyn para lá com os pais e a irmã, quando tinha dezesseis anos, e só saiu depois que casou com o meu pai, cinco anos mais tarde. Foi um passo extraordinário para a família- mudar-se de Crown Heights para um dos endereços mais chiques de Manhattan- e isso me leva a pensar que minha mãe viveu no mesmo edifício onde Saint-Exupéry escreveu O Pequeno Príncipe. No mínimo, eu me sinto comovido pelo fato de que ela não tinha a menor idéia de que o livro estava sendo escrito, nem a menor idéia de quem era o autor. Ela também não ficou sabendo da morte dele algum tempo depois, quando seu avião caiu, no último ano da guerra. Por aquela mesma época , mais ou menos, minha mães se apaixonou por um aviador. E ele também morreu naquele mesmo ano.

Meus avós continuaram morando no número 240 da Central Park south até morrerem (minha avó morreu em 1968;meu avô, em 1979), e boa parte das minhas lembranças de infância mais marcantes se passam no apartamento deles. Minha mãe foi morar em New Jersey depois que casou com meu pai e nós nos mudamos várias vezes quando eu era criança, mas o apartamento de Nova York estava sempre lá, um ponto fixo num universo instável em tudo o mais. Era lá que eu ficava parado na janela vendo o transito rodopiar em volta da estátua de Cristovão Colombo. Era lá que o meu avô executava os seus números de mágica para mim. E foi lá que passei a encarar Nova York como a minha cidade.

Assim como minha mãe tinha feito, sua irmã mudou-se do apartamento quando casou. Pouco depois (no início da década de 1950), ela e o marido foram para a Europa, onde moraram durante os doze anos seguintes. Ao pensar nas várias decisões que tomei ao longo da vida, não tenho dúvida de que o exemplo deles me inspirou a me mudar para a França, quando estava com os meus vinte e poucos anos. Quando minha tia e meu tio voltaram para Nova York, meu prima tinha onze anos. Eu havia me encontrado com ele uma vez só. Seus pais o mandaram para a lycée francês e, por causa das incongruências entre as nossas respectivas formações escolares, acabamos lendo Le Petit Prince ao mesmo tempo, muito embora eu fosse seis anos mais velho do que ele. Naquele tempo, nenhum de nós sabia que o livro tinha sido escrito no mesmo prédio em que as nossas mães haviam morado.

Depois que voltaram da Europa, meu primo e seus pais se estabeleceram num apartamento no Upper East Side. Ao longo de alguns anos, desde então, todo mês ele ia cortar o cabelo na barbearia do Hotel Carlyle.


Paul Auster

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